quinta-feira, 29 de maio de 2008

Crise do crude vai acabar?


Depois de uma sessão de meditação colectiva e de alguns discursos, os presentes organizaram-se em grupos para discutir um pouco de tudo, dos transportes que não usam petróleo como combustível à estratégia a adoptar para persuadir os políticos locais a aderir ao mote do movimento das ‘Transition Towns’: reduzir a pegada de carbono em resposta às preocupações em torno do decréscimo das reservas de hidrocarbonetos e do aquecimento global.

Estes encontros foram, durante anos, considerados manifestações excêntricas. Grande parte dos executivos que trabalha na indústria petrolífera, dos governos, dos analistas e dos consultores rejeitou a teoria do “pico do petróleo”, que se baseia no trabalho desenvolvido pelo geofísico Marion King Hubbert nos anos 50, quando se encontrava ao serviço da Shell, e que defende que a produção de crude vai, em breve, entrar numa fase de declínio terminal. Os seus críticos alegam que descura aspectos como as reservas remanescentes, subestima o contributo dos desenvolvimentos tecnológicos e ignora o papel das forças de mercado, cuja influência pode determinar as futuras reservas.

Mas numa altura em que o preço do petróleo atingiu novo máximo histórico, 135 dólares por barril, isto é, mais mil por cento do que há uma década, os receios de que a era dos hidrocarbonetos está a chegar ao fim começa a contagiar todas as áreas do mercado. Muitos profissionais da indústria petrolífera aceitam hoje que os preços não se devem apenas ao forte aumento da procura, mas também às restrições da oferta. Os apelos a novos investimentos são cada vez mais uma constante e estiveram no topo da agenda dos ministros da Energia dos principais países consumidores e produtores de petróleo, na reunião que teve lugar o mês passado em Roma. Poucas semanas depois, os analistas da Goldman Sachs e de outras empresas de referência, bem como os ministros dos países da OPEP, chegavam a uma conclusão: os preços do petróleo podem atingir os 200 dólares/barril dentro de dois anos.

O facto de a produção petrolífera da Rússia ter decrescido perto de meio ponto percentual em Abril – a primeira quebra em dez anos – foi suficientemente alarmante para o mundo em geral e para a indústria em particular. Porquê? Porque até há cinco anos o segundo maior produtor mundial mantinha uma taxa de produção anual na ordem dos 12%. Mas há mais: alguns executivos da indústria petrolífera, como Leonid Fedun, vice-presidente da Lukoil, declararam entretanto que a produção russa já atingiu o pico.

Dias depois de Fedun ter feito esta declaração, a Arábia Saudita, o maior produtor e exportador mundial de petróleo, anunciou que suspendera os planos que visavam aumentar a capacidade de produção. O ministro saudita da Energia, Ali Naimi, realçou que as previsões para a procura não permitem expandir a produção além dos 12,5 milhões de barris/dia, limite a atingir no próximo ano, apesar de o reino saudita ter investido nos últimos anos mais de 12,9 mil milhões de euros no aumento da capacidade.

O problema é que ninguém sabe o que se passa no seio da indústria petrolífera saudita. Riad é um “segredo bem guardado”. Tão bem guardado que os analistas da Sanford Berstein, uma empresa de serviços financeiros, optaram por espiar via satélite as actividades de perfuração e extracção na maior jazida petrolífera do mundo, Ghawar, ao longo dos últimos nove meses, para confirmarem se houve, ou não, alguma alteração no padrão de exploração. E qual foi a sua conclusão? A Arábia Saudita terá de se esforçar mais do que aquilo que os seus engenheiros e geólogos haviam previsto em 2004, e explorar ao máximo a vertente norte de Ghawar.

Matthew Simmons, banqueiro de investimento na área das energias, mostra-se mais pessimista quanto à “saúde” de Ghawar. Por uma razão muito simples: se a Arábia Saudita não tenciona expandir a sua produção para 15 milhões de barris/dia, isso significa que está a fazer tudo para evitar o colapso das suas jazidas. Mas o mais dramático, na opinião de Simmons, é o mundo depender de um “punhado” de jazidas que hoje se encontram em acentuado declínio. Mais: desde a década de 70 que não se descobrem novas jazidas com igual capacidade. Um em cinco barris consumidos diariamente provém de uma jazida com mais de 40 anos. Nenhuma das jazidas descobertas nos últimos 30 anos tem capacidade para produzir mais de 1 milhão de barris/dia. Pior: a sua dimensão tem vindo a diminuir drasticamente.

As preocupações em torno da oferta alastraram à maioria dos gabinetes das petrolíferas internacionais. James Mulva, CEO da norte-americana ConocoPhillips, e Christophe de Margerie, seu homólogo na francesa Total, manifestaram recentemente o seu pessimismo ao reconhecerem que a produção petrolífera mundial nunca irá ultrapassar a fasquia dos 100 milhões de barris/dia. É este o volume que a Agência Internacional de Energia estima ser necessário para satisfazer a procura mundial dentro de sete anos, a qual deverá disparar para os 16 milhões de barris/dia em 2030.

Mulva e Margerie, tal como um número crescente de executivos do sector e de ministros, estão cientes de que a era do “petróleo fácil” tem os dias contados e de que as barreiras políticas – como a instabilidade na Nigéria, o processo de nacionalização das empresas energéticas na Rússia e as tensões internacionais que, desde há duas décadas, vêm a mitigar o potencial energético do Iraque – têm impedido as empresas de explorar em pleno os 2.400-4.400 milhares de milhões de barris remanescentes.

As petrolíferas, em vez de se prepararem para o dia do “Juízo Final”, têm usado a tecnologia para extrair o crude que ainda existe nas suas velhas jazidas e procurado novas reservas em terrenos mais remotos e hostis. Mas sublinham que seria importante que os consumidores, habituados a depender do crude para tudo, não desperdiçassem este valioso recurso.

Os executivos da indústria reconhecem que as jazidas nos países desenvolvidos, como as do Mar do Norte e do Alasca, estão prestes a atingir o “pico”. (Segundo a Sanford Bernstein, a produção exterior à OPEP deverá atingir o pico já este ano). No entanto, lembram que a capacidade das jazidas não convencionais, como Alberta, no Canadá, ou a Faixa do Orinoco, na Venezuela, já ultrapassaram o número de barris de petróleo produzidos pela Arábia Saudita. Acontece que estas duas alternativas têm grandes desvantagens: a primeira por se tratar de uma exploração que obriga ao uso intensivo de água e energia, e a segunda por estar sob a alçada do Governo populista de Hugo Chávez, facto que leva muitas empresas a recear investir na Faixa do Orinoco.

Guy Caruso, presidente da Administração da Informação Energética (AIE) do Departamento de Energia dos EUA, acredita que o mercado tem poder suficiente para influir nas políticas dos governos e no comportamento dos consumidores e das petrolíferas. A AIE estima que as importações norte-americanas de petróleo irão diminuir ligeiramente nos próximos 22 anos. Ora, isto quer dizer que a dependência das importações de petróleo do maior consumidor mundial vai decrescer entre 60% a 50% até 2015, antes de voltar a crescer para os 54% até 2030. As razões para esta descida são a crescente eficiência energética nos automóveis, a redução da procura, o aumento do consumo de biocombustíveis e o crescimento da produção dos EUA em um milhão de barris/dia no Golfo do México até 2012. “Hubbert nunca poderia ter previsto que a tecnologia ia evoluir desta maneira. Que hoje se usaria a perfuração horizontal e se poderia extrair petróleo do oceano a 3.600 metros de profundidade”, sublinha Caruso.

Uma versão mais pessimista deveria incluir um declínio ainda mais acentuado e generalizado à medida que os países em desenvolvimento vergam sob o peso dos subsídios que são obrigados a pagar para suprir as necessidades energéticas e de alimentação da sua população. As opiniões de Jeremy Leggett, um geólogo convertido em empresário e autor de “Half Gone: Oil, Gas, Hot Air and the Global Energy Crisis”, vai ainda mais longe na sua parábola para o pior cenário: “Os preços da habitação colapsaram. Os mercados de acções entraram em ruptura… As empresas foram à falência… Primeiro centenas de milhar, depois milhões, de trabalhadores foram atirados para o desemprego. Onde antes havia cidades prósperas com cafés e esplanadas vêem-se hoje filas de pessoas na chamada ‘sopa dos pobres’ e um exército de pedintes nas ruas”.

Os executivos da indústria petrolífera rejeitam este cenário quase apocalíptico que, de tão corrosivo, tem o poder de deturpar políticas e decisões de investimento. Mas são visões como esta que levam as pessoas a agir e a usar a energia de uma forma mais eficiente. Os tocadores de gaita-de-foles e inseridos nas ‘Transition Towns’ são parte – ainda que pequena – da solução para as incertezas do futuro. Mesmo que o mundo nunca venha a viver a catástrofe que eles prevêem (Fonte: Diário Ecónomico/Financial Times, 2008-05-26).

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