O grau de ingerência do governo na exploração e produção de petróleo é uma das principais preocupações de investidores do setor - de olho nas propostas para a regulamentação da atividade petroleira na camada pré-sal que serão apresentadas pelo Palácio do Planalto nesta segunda-feira.
Os investidores estrangeiros aguardam detalhes dos três projetos que vão regular os 71% da área do pré-sal que ainda não foram concedidos para exploração sob as regras antigas, e que o governo quer aprovar em regime de urgência para evitar que a proposta fique estancada no redemoinho eleitoral do ano que vem.
Um projeto criará uma nova empresa para gerenciar a atividade no pré-sal; outro, o fundo que receberá os seus recursos; e um terceiro estabelecerá um sistema de partilha de produção, no qual o governo terá maior poder para definir a participação da Petrobras nos projetos.
Ecoando preocupações das empresas interessadas na área, o diretor de exploração da Shell para as Américas, Mark Odum, disse nesta semana que há um "grau significativo de incertezas" envolvendo o desenvolvimento das reservas do pré-sal. Desde a abertura do setor petroleiro para o capital externo, em 1997, o Brasil tem gozado de boa reputação como mercado estável e transparente, e críticos da nova proposta temem que a concentração venha a reverter esse histórico. Fazendo ressalvas à mudança, o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), que representa as petroleiras no Brasil, disse que o atual esquema de concessões já é "consagrado" e "oferece os instrumentos adequados para permitir uma maior apropriação por parte do governo da riqueza do petróleo".
Regras do jogo
Mas a questão não é apenas financeira, como aponta Ivan Londres, sócio do escritório de advocacia CMS Cameron McKenna, que presta consultoria no ramo petroleiro. "Quando estabelece a nova regra do jogo, você mostra que não está simplesmente querendo mais dinheiro, você quer uma estrutura diferente", disse ele à BBC Brasil.
Para ele, o objetivo do governo passa por aumentar o controle na distribuição dos blocos de exploração, que hoje são definidos por leilões de concessão no qual o governo tem pouca interferência. No principal modelo que serve de inspiração para o governo, a Noruega, não há leilões e é o governo quem aloca as empresas nos determinados campos, levando em consideração questões operacionais e o histórico da participação da companhia no país, entre outros critérios. Uma mudança que elevaria a preocupação com questões de transparência.
"O Brasil não é notoriamente uma Noruega. Ele tem outras questões culturais e até de tamanho - a Noruega com cinco milhões de habitantes, o Brasil com 200 milhões. É uma outra realidade", diz Londres.
Outro ponto previsto no projeto seria a confirmação de que a Petrobras se tornará operadora de todos os campos do pré-sal e de que deterá pelo menos 30% de todos os consórcios formados. Para Ivan Londres, tal mudança seria "complicada", porque participar dos projetos, tanto quanto um bônus, poderia supor um "ônus" para a Petrobras.
"Quando você está operando um campo você tem de mobilizar uma série de recursos de gestão, de pessoas, de equipamentos, de compras, etc, e às vezes pode ser um custo para a Petrobras operar tudo isso", argumentou. "Acho que esse seria um passo longo demais. Você pode complicar uma empresa, mesmo como a Petrobras, se você atribui a ela obrigações em inúmeros campos para os quais ela precisará de recursos para atender."
Mordida
As incertezas dizem respeito ainda ao tamanho da parte da receita das empresas que será destinada ao governo. Considerando todas as esferas - União, Estados e municípios -, o Brasil fica hoje com cerca de 60% da receita petroleira gerada no país, segundo o Cambridge Research Energy Associates (Cera). Grandes produtores, como Nigéria, Venezuela, Rússia, ficam com uma participação em torno de 90%. Já países com reservas maduras, como o Reino Unido e a Dinamarca, ficam com algo entre 35% e 50%.
Analistas têm reiterado que é preciso encontrar um equilíbrio fiscal para manter a atratividade dos projetos - um tema espinhoso porque nem todos concordam com o governo, para quem os investimentos no pré-sal enfrentam risco baixíssimo. Entretanto, dois porta-vozes da indústria que falaram à BBC Brasil sob condição de anonimato frisaram que a "escala da oportunidade" do pré-sal deve fazer com que as empresas continuem interessadas no negócio.
"Se olharmos para o resto do mundo, onde mais existe um país estável e com tanto potencial para os próximos anos quanto o Brasil?", resume a especialista da consultoria Economist Intelligence Unit (EIU), Justine Thody.
Estima-se que as reservas contidas na camada pré-sal se situem entre 50 bilhões e 80 bilhões de barris de petróleo, contra 14 bilhões de barris que o país conta hoje. Depois de apresentadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira em um grande evento público em Brasília, as medidas de regulamentação do pré-sal seguirão para o Congresso. O presidente Lula já adiantou que a maior parte dos recursos será direcionado para um fundo social que investirá em educação, ciência e tecnologia e combate à pobreza. (Fonte: Estadão / BBC Brasil, 2009-08-31).
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