segunda-feira, 17 de março de 2008

Rio Grande do Norte: “A hora é de buscar parceiros e investir em infraestrutura”


Uma das maiores autoridades do país em petróleo e gás, o consultor Jean-Paul Prates é advogado, economista, Mestre em Ciências (M.Sc.) da gestão pública de recursos energéticos e ambientais pela Universidade da Pensilvania (Filadélfia, EUA) e Mestre em Economia e Regulação da Indústria do Petróleo pelo Instituto Francês do Petróleo (Paris, França). Desde 1991 ele atua como consultor especialista em recursos naturais energéticos, comentarista do canal a cabo Globo News, colunista do Globo Online sobre petróleo e gás, e diretor-executivo da Expetro, maior consultoria nacional especializada em petróleo, gás e biocombustíveis. Com todo este currículo, Prates defende que o Rio Grande do Norte está vivendo um momento crucial para as suas pretensões de sediar um grande projeto petroquímico em seu território, alavancando seu desenvolvimento. Nesta entrevista exclusiva a O Poti, ele detalha este sentimento.


O Poti - O anúncio da Petrobras de que pretende construir uma "refinaria em Guamaré" não teve uma repercussão maior do que deveria, visto que, segundo o próprio mercado, a decisão de ampliar a produção de líquidos naquele pólo seria um caminho natural da estatal, ou seja, uma decisão que ela teria que tomar por questões de mercado, naturalmente?


Jean-Paul Prates - Absolutamente. Muito ao contrário. Se você se lembrar da época do anúncio da Refinaria Abreu e Lima (em Pernambuco), falou-se inclusive na possibilidade de se fechar as unidades de Guamaré tendo em vista a sua iminente inviabilidade perante um complexo de refino tão maior a ser construído logo ao lado. A grande conquista do Estado, neste sentido, foi não apenas garantir a continuidade das operações em Guamaré como conseguir que a Petrobras transfira imediatamente as instalações que atualmente já produzem diesel, biodiesel, QAV (querosene de aviação) e GLP (gás liqüefeito de petróleo) naquela cidade para a gestão da área de "Refino e Abastecimento" da empresa, que é quem comanda todas as refinarias da empresa. Isto significa que, já a partir deste ano, a Petrobras irá pensar e planejar Guamaré como refinaria, e não como mera extensão das suas unidades de produção de petróleo no RN. O efeito disso, dentro e fora da empresa, é muito mais do que meramente retórico. Representa uma mudança radical na mentalidade e nos sensos de prioridade e viabilidade quanto aos projetos de eficientização, ampliação e modernização das instalações de Guamaré. O Estado terá a 12ª refinaria de petróleo do país antes mesmo da inauguração da congênere pernambucana, contabilizada como 11ª. A partir daí, com foco diferenciado e voltado para a fabricação de produtos leves (gasolina automotiva, QAV e diesel com alta especificação ambiental), esta renovada e ampliada instalação de refino poderá chegar a processar 120 mil barris de petróleo por dia dentro de 5 ou 6 anos, o que não poderá de forma alguma ser chamado de mini-refinaria e sim, em padrões mundiais, de uma refinaria de médio porte– na mesma faixa da RBPC (Cubatão-SP) e da REPAR (Araucária–PR), e equivalente a metade da RLAN (Salvador) e ao dobro da REMAN (Manaus-AM).


Tecnicamente, quais as diferenças entre uma refinaria e um pólo petroquímico? Qual dos dois é mais vantajoso para o RN?


A atividade de refino de petróleo consiste basicamente em processá-lo e separá-lo em várias substâncias úteis. A maneira mais antiga e comum de separar os vários componentes (chamados de frações) é usar as diferenças entre as temperaturas de ebulição. Isso é chamado de destilação fracionada. Basicamente, esquenta-se o petróleo bruto deixando-o evaporar e depois condensa-se este vapor. Técnicas mais novas usam o processamento químico, térmico ou catalítico em algumas das frações para criar outras, em um processo chamado de conversão. O processamento químico, por exemplo, pode quebrar cadeias longas em outras menores. Isso permite que uma refinaria transforme óleo diesel em gasolina, de acordo com a demanda por gasolina. As refinarias fazem ainda o tratamento das frações para remover as impurezas e combinam as várias frações (processadas e não processadas) em misturas para fabricar os produtos desejados. Por exemplo, as diferentes misturas de cadeias podem criar gasolinas com diferentes índices de octanagem. Os produtos derivados são armazenados no local até que sejam entregues aos diferentes compradores, como postos de gasolina, aeroportos e pólos petroquímicos.


Então, um integra o outro?


É. A indústria petroquímica, como parte integrante da indústria química, é um segundo estágio de beneficiamento do petróleo, que abrange os segmentos de produtos químicos orgânicos, além das resinas e elastômeros. É uma indústria tão intensiva em capital quanto a de refino, e onde a escala de produção é o principal fator de viabilidade, já que exige altos investimentos e longo período de maturação. A competitividade da petroquímica está intimamente relacionada com quatro fatores: matéria-prima, escala de produção, tecnologia e facilidade de acesso ao mercado consumidor. Em relação a qual seria a atividade mais vantajosa para o Estado, eu diria que não cabe esta "competição" pois uma atividade (no caso, a petroquímica) praticamente pressupõe a existência da outra (refino ou processamento de gás) em escala razoável.


Então esta "refinaria" pode ser a base para a criação de um pólo petroquímico no RN? Por que?


Sim. A indústria petroquímica global, assim como a nacional, se organiza em pólos para facilitar a logística de produção e o transporte dos produtos obtidos e, com isso minimizar os custos. Um dos principais fatores para a definição da localização de um novo pólo petroquímico é a proximidade de uma refinaria. Modernamente, com o advento da indústria gás-química, locais que congregam capacidade de refino e também processamento de gás natural (como será o caso de Guamaré) são ainda mais valorizados quando se coloca este tipo de escolha. Um pólo petroquímico, portanto, pressupõe a existência de uma refinaria ou de unidades de processamento de gás natural nos seus arredores, quando não integradamente. Portanto, para o Estado - uma vez que a nossa produção de gás ainda não chega a ser suficiente para justificar sozinha a instalação de indústrias petroquímicas como PVC e outras, já debatidas - ter a refinaria é um passo necessário para ir adiante rumo ao pólo petroquímico que, na verdade poderá vir a ser um pólo de nome mais complicado mas mais preciso: pólo petro-gás-químico, combinando elementos das duas vertentes. Neste sentido, a decisão de oficializar, modernizar e ampliar Guamaré como "refinaria" é fundamental para se conquistar a tão propalada "escala", que sempre serviu de empecilho às pretensões do Estado de abrigar unidades que agregassem valor à sua produção de petróleo e gás.


O que o estado precisa fazer para conseguir o pólo petroquímico? E que erros não pode cometer?


O que houve neste momento, que deu certo, foi uma coisa pela qual lutamos muito no passado recente que é um casamento entre dois fatores preponderantes: o técnico e o político. O político exercido pela união inédita obtida pela Governadora Wilma e a bancada parlamentar federal, no exato momento em que esta bancada tem o mais elevado poder representantivo já visto nos últimos tempos. E o fator técnico em função da necessidade de aumento do refino, novas grandes descobertas de petróleo, necessidade de atendimento de normas técnicas ambientais (novas especificações do diesel quanto a emissões) e o convencimento interno da Petrobras de reconhecer o mérito de se passar a unidade de Guamaré para debaixo da área de refino da empresa. O pólo petroquímico virá como decorrência destes fatores técnicos e comerciais interessantes à empresa investidora Petrobras combinados com a disposição das forças do Estado em manter esta união acima das rivalidades e pretensões políticas locais. O clima de cordialidade, receptividade e maturidade por que passamos atualmente deve ser mantido, a todo custo. Por vezes, em meio a todo este esforço iniciado em 2003, cheguei a pensar que o maior adversário do Estado era o próprio comportamento derrotista ou anti-competitivo de alguns formadores de opinião importantes que duvidavam (e talvez ainda duvidem) que o Estado pudesse conquistar a refinaria e muito mais. Não podemos voltar a este estágio precário de consenso. Do ponto de vista técnico, sabe-se que da atividade de refino resultam resíduos que precisam ser monetizados e aproveitados. Como temos aqui outras matérias primas que complementam estes resíduos (como por exemplo, na produção de resinas plásticas), as condições favoráveis estão dadas.


E que ainda falta?


No mais, resta-nos, agora, brigar em três frentes bastante desafiadoras: 1) consolidar estas decisões da Petrobras - até maio; 2) atrair empreendimentos de segunda e terceira geração que constituam mercado para os produtos da petroquímica; 3) solucionar e prover infra-estrutura de logística para o entorno do pólo, conferindo plena viabilidade técnica e econômica. Além destas frentes, o Governo do Estado já trabalha ações complementares como o estudo e controle dos impactos externos destes empreendimentos (ambiental, social, econômico) e o direcionamento de políticas educacionais e de formação profissional, bem como de estímulo a cadeias produtivas locais para a inserção da população local nestes empreendimentos (Fonte: Diário de Natal, 2008-03-17).

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