domingo, 31 de maio de 2009

Petróleo: um fim de festa


Através da História, a Indústria do Petróleo foi marcada por um fluxo constante e transitório de grandes lucros e subseqüentes grandes perdas. No artigo a seguir, nosso professor Giuseppe Bacoccoli traça um panorama sobre a triste história do Mar do Norte, levando-nos a refletir que, se hoje é o norte que lamenta o fim da era do petróleo, amanhã poderá muito bem ser o sul. Que este futuro seja certo, não podemos afirmar. Mas a reflexão se faz necessária para que os mesmos erros não sejam repetidos.


Ao contrário do que vinha acontecendo antigamente, há muitos anos, ninguém mais informa sobre novas descobertas. Até os geólogos, sempre otimistas, não contam mais com eventuais agradáveis surpresas, tanto no pré quanto no pós-sal. De fato, todos os cantos daquela extensa província petrolífera já haviam sido vasculhados em exaustivos levantamentos sísmicos e/ou com outros métodos exploratórios. Muitos poços de exploração e de desenvolvimento foram perfurados por diversos operadores e importantes campos produtores foram descobertos, no tempo das vacas gordas, no passado. Agora, no entanto, toda aquela região sedimentar costuma ser considerada como exploratoriamente madura. No jargão dos geólogos, isto significa que, ali, a maioria das jazidas de petróleo e gás natural já teria sido encontrada, restando poucas chances de ainda se descobrirem acumulações de algum porte. “Melhor trabalhar em outras áreas” – comentam os geólogos mais preparados e experientes – “Ainda mais se for possível encontrar alhures áreas de fronteira, pouco exploradas. Quem sabe, em algum lugar do mundo...” Além disto, a presente crise econômica e o atual preço do petróleo pouco contribuem para a retomada dos trabalhos exploratórios.


Antigas enormes plataformas marítimas de produção – verdadeiros monumentos de aço implantados por toda a parte offshore, ícones emblemáticos da tecnologia e do empreendedorismo da vigorosa indústria do petróleo do passado – vem sendo desativadas (decomissioned) de tempos em tempos. Sempre que os custos operacionais destas plataformas superam as receitas oriundas da produção, os operadores decidem pelo seu abandono. E isto vem ocorrendo com muita freqüência. As grandes estruturas são desmontadas, seus equipamentos viram sucata, numerosas equipes de trabalhadores experientes acabam perdendo o emprego e, mais do que isto, perdendo o orgulho pelo que faziam. Muitos profissionais, depois de procurar sem sucesso outra atividade, mesmo no exterior, acabam abandonando o setor e trabalhando em ramos diferentes. As plataformas são totalmente arrasadas e desaparecem sem deixar sinais de sua presença, na superfície ou no fundo do mar, para não oferecer riscos à pesca ou à navegação. Para conduzir as caras operações de arrasamento foram até formalizados acordos cooperativos entre os diversos operadores, compartilhando todo o tipo de recursos necessários. No mar, onde havia plataformas iluminadas, flares acesos, ruidosas turmas de trabalhadores, barcos e helicópteros na intensa faina de apoio logístico, agora apenas as ondas e o vento. O silêncio é apenas eventualmente quebrado pela passagem de um dos poucos barcos pesqueiros.


A produção de petróleo de toda a província já foi superior aos três milhões de barris por dia e destinava-se, em boa parte à exportação. Com a prática dos preços elevados do petróleo fazia a fortuna dos felizes operadores. Hoje, é de pouco mais de dois milhões de barris por dia e, ao persistirem as elevadas taxas de decréscimo, em breve será insuficiente para atender até mesmo ao consumo do país que deverá retornar a importar petróleo. A vazão dos velhos reservatórios já muito exauridos e “depletados” continua caindo, inexoravelmente, com índices superiores aos cinco por cento ao ano. As reservas também diminuem, face aos volumes produzidos e à falta de novas descobertas.


“Não nos resta mais nada a fazer” – lamentam com tristeza os engenheiros de reservatório. – “Já aplicamos, quando possível, métodos de recuperação secundária e terciária. Agora só falta tirar o que resta do petróleo, até quando for técnica e economicamente viável. Mas, a julgar pela presente relação R/P (Reserva/Produção), em menos de dez anos todo o petróleo terá sido produzido. Fim de festa...”.


“Estes fatos são notórios, conhecidos e bastante previsíveis, pelo menos entre os técnicos e profissionais da indústria do petróleo” – ressaltam os gerentes. Mesmo assim, a preocupação com o futuro toma conta de todos, tanto na grande empresa estatal, quanto nos numerosos operadores, muitos privados, nacionais e internacionais, que trabalham em parcerias com a estatal, ou através de contratos firmados no passado. “Hoje é difícil encontrar novos interessados em investir aqui”. – afirma uma autoridade do governo – “Antigamente, todos queriam algum tipo de concessão. Hoje é bem mais complicado, neste clima de fim de festa”.


Não menos pessimistas são os muitos fornecedores de bens e serviços para as atividades de E&P (Exploração e Produção) de petróleo, vendo seus contratos minguando ano a ano. “Nós mesmos desenvolvemos a tecnologia para produzir este petróleo”. – diz um fornecedor – “Agora só utilizando em outra região do mundo com melhores perspectivas”.


Nas cidades portuárias costeiras, que durante décadas serviram como bases de apoio logístico e operacional às atividades de extração de petróleo offshore, o clima também é de fim de festa. Com a chegada do petróleo, estas pequenas comunidades, então dedicadas apenas à pesca, à navegação, à agricultura e ao turismo, viveram dias de glória com o progresso da indústria impulsionando seu significativo crescimento. Além da maior arrecadação de impostos e tributos, o petróleo trouxe consigo o estabelecimento das grandes bases de apoio, a proliferação dos estaleiros, a multiplicação dos fornecedores de bens e serviços e, principalmente, a vinda de numerosos trabalhadores, formando uma multidão de bem remunerados recém-chegados. Por sua vez, estes novos moradores precisavam de tudo, de casa a comércio, de serviços de subsistência a serviços públicos, de hotéis a hospitais, de escolas a clubes. Assim todas as atividades cresceram, transformando velhas vilas costeiras quase desconhecidas em modernas e industrializadas cidades portuárias, exibindo invejáveis índices de bem estar.


Agora, vive-se o ciclo oposto com o encolhimento destas comunidades. À falta de oportunidades, muitos moradores, especialmente os mais novos, passaram a migrar constantemente para outros locais no país ou no exterior. Com dificuldade, as cidades tentam retomar as velhas atividades, anteriores ao petróleo, ou iniciar outras na obstinada luta pela sobrevivência através da diversificação e a sustentabilidade. Mesmo assim, todo dia casas comerciais, fábricas e escritórios fecham suas portas, demitem empregados, provocam ondas migratórias e motivam índices negativos de crescimento. Muitos lamentam não ter investido mais – no tempo das vacas gordas do petróleo – em atividades que melhor assegurassem a atual sobrevivência.


Neste momento, o leitor já confuso e perplexo deverá estar questionando se esta triste história é verdadeira, em que tempo e espaço se posiciona e por que ocuparia agora este espaço de informação. Vamos tentar responder, por partes.


Apesar de levemente romanceados, todos os fatos que acabam de ser reportados são totalmente verídicos e atuais e estão ocorrendo precisamente agora com a indústria petrolífera offshore da Noruega, no setor correspondente do Mar do Norte. Não seria muito diferente se tratasse do setor britânico, também do Mar do Norte, igualmente em clima de fim de festa. Os dados apresentados constam da BP Statistical Review of World Energy (Junho 2008).


Julgamos oportuno divulgar estes acontecimentos para que sirvam para uma reflexão sobre o passado, o presente e o possível futuro da indústria brasileira do petróleo, ainda mais após a divulgação das fantásticas reservas no pré-sal e a aparente busca de novos marcos regulatórios, alguns com suposta base no que estaria ocorrendo na Noruega.


Como podemos verificar, poucas são as atuais semelhanças ou correlações entre o presente momento da província petrolífera produtora das Bacias do Espírito Santo, Campos e Santos, no Brasil, e do setor norueguês (ou britânico), do Mar do Norte. Pelo visto, aqui a festa continua. Creio, no entanto, que devamos desde já procurar construir conscientemente nosso futuro. Vale o exercício! (Autor: Giuseppe Bacoccoli, Geólogo do Petróleo, Professor visitante - COPPE/UFRJ. Fonte: artigo enviado via e-mail em 2009-05-25).

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